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O Cristão e a Política - Fortunato Barbosa



1 – OS CRISTÃOS QUE SE POSICIONARAM NA HISTÓRIA

Durante esses dois mil anos de história da igreja e Cristianismo, inúmeros cristãos piedosos se posicionaram politicamente em sua época, de acordo com as necessidades e percepção daquele instante. Durante a Guerra Civil Inglesa no século XVII, cristãos como John Bunyan e John Owen se posicionaram a favor do Lorde Protetor Oliver Cromwell contra o Rei Charles I. O teólogo John Owen chegou a escrever um poema a Oliver Cromwell. Houvera uma minora puritana que se colocou ao lado de Charles I, como Thomas Watson e Christopher Love. Porém, a grande maioria dos clérigos puritanos apoiou Oliver Cromwell na Guerra Civil.

Outros cristãos que se posicionaram politicamente foram John Wesley e Francis Asbury. O metodista John Wesley se posicionava contrário a Revolução Americana contra a Coroa inglesa. No fim da sua vida, escreveu uma carta ao cristão que ocupava uma cadeira no parlamento inglês chamado William Wilberforce, encorajando este cristão na política a continuar sua luta contra a abolição da escravidão em solo inglês. Do outro lado do oceano, nas Américas, ainda colônias inglesas, Francis Asbury um metodista enviado por Wesley, se colocava como a favor da luta dos americanos por sua independência.

Na história recente, século XX, o grande pregador Billy Graham chegou a apoiar publicamente presidentes dos EUA, como Richard Nixon contra John Kennedy, participando inclusive da campanha de Nixon. Billy Graham era alinhado com o Partido Democrata no início, mas ao final da sua vida, se afastou do partido, sendo também ecoado nas posições políticas do seu filho, Franklin Graham.

Diante de alguns exemplos de cristãos protestantes que se posicionaram politicamente surge uma pergunta: eles estavam certos ou errados? Sobre esse assunto, abordarei um pouco nos pontos 2 e 3.

2 – O CRISTÃO ISENTO NOS DIAS DE HOJE

Olhando todos os exemplos citados no ponto 1, muito depois dos acontecimentos em alguns casos, conseguimos nos colocar em uma posição privilegiada de julgá-los sem estarmos inseridos nas dificuldades, anseios, medos, expectativas e influências que eles viviam. O nosso prumo é sempre mais aguçado. Mas a pergunta é: por que esses cristãos se posicionaram?

Estando certos ou errados, eles tomaram algum partido. Ninguém desconfia da idoneidade de John Bunyan e John Owen. Mas o Lorde Protetor cometeu alguns excessos, mesmo se autodeclarando um puritano. Oliver Cromwell concedeu liberdade religiosa aos judeus, deu lhes permissão de retornar a Londres, e alguns rabinos chegaram a ensinar hebraico a puritanos. Teve erros e acertos. Tratou os católicos de forma incisiva. Mas o momento era este, a guerra religiosa fazia parte do modus operandi e vivendi.

Da mesma forma com Billy Graham. O partido democrata tinha raízes no escravagismo americano. O distanciamento de Billy Graham foi posterior. Erros e acertos. Quem estava certo na questão da Revolução Americana: John Wesley ou Francis Asbury? John MacArthur diria que era John Wesley, mas os grandes cristãos protestantes americanos diriam que não, que a Revolução tornou a América livre e grande, por causa de Deus. Tocqueville faz essa análise in loco anos depois, ao ver que a vida religiosa era observada por todos, inclusive editoras de livros não conseguiam espaço para lançar livros com teor e temática pecaminosa. Em alguns tribunais o testemunho de um incrédulo não era aceito. A influência cristã nas Américas pós-revolução era gritante. Quem estava certo?

Entretanto, devemos aprender com os erros e acertos desses grandes homens de Deus, e diante disso, corremos o risco de cair em dois extremos: I) nos colocar acima deles e nos considerarmos mais sábios por não tomarmos partidos e não nos posicionarmos; II) tomar algum partido de forma irrestrita sem qualquer parâmetro que guie e seja o fiel da balança.

    I) Existem três tipos de cristãos isentos politicamente: o corajoso, o covarde e o hipócrita. O corajoso é aquele cristão que não tomou partido, mas sabe muito bem no que acredita e as pautas que defende firmemente. Ele é coerente, não tem medo, e defenderá o Evangelho independente do que aconteça. Mas não toma partido por questões sensíveis e por um julgamento saudável que faz por saber que poderá mais prejudicar a igreja que ajudar caso se posicione. O cristão covarde é aquele que não toma partido porque tem medo de se expor, de sair perdendo em sua imagem, status, círculo social, ou até financeiramente. Ele é covarde e usa o isentismo como desculpa para não se posicionar. E, por fim, tem o hipócrita. O hipócrita se enxerga melhor que os outros, ele acha que quem se posiciona é burro, vendido, ignorante, gado ou jumento de algum partido ou político. Só enxerga seu focinho, não tenta entender ou compreender o porquê de cristãos se posicionarem. Todo mundo está errado, menos ele. O seu cânon é ele mesmo. O hipócrita é arrogante.

    II) O cristão que se entrega de forma irrestrita o faz por inteiro. Ele abraça algo de fora e traz para dentro do Evangelho. Ou seja, pega um elemento externo que é passível de julgamento e o torna tão inerrante quanto o Evangelho. Quando há essa equiparação entre a causa e o Evangelho, se enxerga em algum meio secular-social uma ferramenta espiritual de conseguir atingir um fim redentivo. Quando isso ocorre? Quando Jesus deixa de ser o centro e passa a ser adereço para alguma ideologia.


3 – A SENSIBILIDADE CIRCUNSTANCIAL DO POSICIONAMENTO POLÍTICO.

Dito isto, vejo que alguns cristãos isentos hoje estão enxergando no seu isentismo algo virtuoso do ponto de vista moral. A equiparação é desproporcional, mesmo sabendo que logicamente alguém será presidente do Brasil, e que umas das pautas está mais distante que outra dos valores da Igreja. O idealismo político é irreal, não haverá políticos cristãos piedosos e perfeitos para serem eleitos. Como cidadão do mundo, o cristão terá de lidar com as fraquezas e limitações da natureza pelo pecado, onde a política faz parte. Haverá candidatos melhores e piores, mas não ideais. E dentro disso, temos responsabilidade de decidirmos pelos nossos governantes que dirão amanhã se podemos cultuar a Deus livremente ou não, se censura é normal ou não, se aborto é algo relativo ou absoluto, se drogas podem ser consumidas livremente com o aparato estatal dando suporte jurídico e fiscal ou não. Como um cristão que possui dupla cidadania, preciso me manifestar e entender que a minha escolha não é a ideal, mas a circunstância que melhor se enquadra ao momento e a necessidade, e que essa escolha ou omissão e ausência de escolha pode prejudicar o futuro do nosso país.

Em Romanos 13 o Apóstolo Paulo enxerga na autoridade de Roma alguns benefícios sociais estabelecidos por Deus, atributos de justiça e ordem. Roma queimava cristãos, jogava para serem comidos nos estádios, e Paulo enxerga que existem benefícios nas atribuições de uma autoridade constituída. Dentro das limitações temporais, somos chamados dentro de uma democracia fruto do desenvolvimento social, que tem como seu pilar a moral judaico-cristã e muitos pensadores cristãos, a manifestar o nosso voto. Um cristão pode dizer que ninguém o representa no quadro político, mas algum político vai exercer autoridade sobre ele. E aqui entra a sensibilidade circunstancial: qual será menos danoso a mim, minha família, igreja e sociedade? Não é que seja algo de se entregar a uma ideologia ou político, mas nós somos participantes deste processo. Perceba que isso não é messianismo político, pois a igreja já existe e está atuante independente de qualquer político. A igreja não está pedindo a bênção do Estado ou de algum político, ela apenas quer ter a liberdade de ser a igreja, e dentro deste cenário, um dos posicionamentos políticos é mais prejudicial a essa autonomia da igreja que outro.

Vejo e vi cristãos dizendo que se Deus quiser algum perseguidor vai assumir a presidência e não importa. Com certeza, se Deus quiser, ele fará. Mas dentro das nossas responsabilidades, não sabemos quando isso vai acontecer e nosso papel é orar pela paz e defender os nossos valores. Um posicionamento de: “Não estou nem aí” também é omissão para com os que podem perecer com a insensibilidade do momento, inclusive os mais fracos. A ingerência de um Estado sempre estoura nos mais pobres e fracos. O isentão irrestrito é um ideólogo de ponta a cabeça. Ele vai se abster de suas responsabilidades e consequências em nome de uma neutralidade absolutista, por julgar que equivalência entre os candidatos seja a mesma, e não é.

Entendo que tanto o cristão que escolhe se posicionar e o que escolhe não se posicionar possuem suas razões e não estão errados. Todavia, será a sua postura que dirá se se trata de algo virtuoso ou apenas falso.

4 – O CARÁTER CRISTÃO

O que sustenta tudo isso acima, é o caráter de Cristo na vida do cristão. Xingamentos, ataques pessoais, desrespeito, cancelamento, raiva, ódio do outro, não é o bem-aventurado filho de Deus que é pacificador. E veja, pacificador não é pacifismo. Seja o lado que for, até mesmo isento, mas que se coloca de forma arrogante e esnobe, menosprezando o outro por ideologia, age contrário à sua fé. O nosso caráter no meio desse fogo deve ser o diferencial que o mundo precisa enxergar. Um cristão pode debater, mas com respeito e argumentos. Os fatos e a verdade sempre serão aliados da fé. Deus não compactua com a falsidade, seja de quem for, para defender o que for. A balança não pode ser enganosa. O cristão deve cuidar para não se perder no personagem do momento por causa de uma agitação social. Não haverá um reino divino por mãos humanas neste mundo. O cristão não pode negociar a cidade do céu por uma cidadania unicamente terrena. Não é possível antecipar a escatologia.

Fortunato Barbosa

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