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HERMENÊUTICA PENTECOSTAL - Uma questão Crucial para a Teologia Pentecostal



A narrativa de Lucas em Atos possue propósitos teológicos, pelo que é adequado dela extrair Teologia. Nós pentecostais afirmamos isso há muito tempo.  Este pressupostos apareceu já na primeira querela teológica entre pentecotais a respeito da doutrina da evidência física inicial, feita pelo pastor assembleiano Daniel Kerr em 1923. 

Tal afirmação não é fruto do método histórico-gramatical - que alguns poucos pentecostais no Brasil acreditam ser a única ferramenta de interpretação -, mas, sim, da Crítica Bíblica, especificamente na sua forma denominada de Baixa Crítica, cuja principal ferramenta é a Crítica da Redação, cujo propósito é perceber no texto quais seriam as motivações ou propósitos do autor humano [direcionado pelo Espírito Santo] em selecionar uma determinada porção de fatos na composição de sua narrativa.

Embora os pentecostais - inicialmente com o Roger Stronstad (lançando mão das conclusões do metodista I. Howard Marshall na obra Fundamentos da Narrativa Teológica de São Lucas ) -, tenham começado a usar essas ferramentas para comprovar a validade da Teologia Pentecostal na academia na década de 60, está ferramenta já era utilizada pelos pentecostais, ainda que de modo incipiente, desde sempre.

Senão, vejamos o que o já aludido pastor assembleiano Daniel Kerr afirmou em seu tratado The Bible Evidence of the Baptism with Holy Ghost:

"(...) de uma massa volumosa de material escolheu apenas tais fatos e apenas tais manifestações do poder de Deus para servir ao seu propósito. Qual é o seu propósito? Sem dúvida, seu propósito é mostrar que o que Jesus prometeu Ele cumpriu. Ele diz, "quem crer deve falar em outras línguas".¹

Kerr notou que aqueles que se posicionavam contrariamente ao Pentecostalismo, tendo como pressuposto hermenêutico que Atos era um escrito meramente histórico, liam esta porção das Escrituras à luz das epístolas paulinas, por acreditarem que textos narrativos deveriam ser interpretados à luz de textos explicativos.
Na prática, essa homogeneidade sem respeito à diversidade acaba por silenciar a voz do Espírito através de Lucas, elegendo uma parte das Escrituras como superior ou mais inspirada do que a outra.

Por tanto, para a leitura de Atos, a questão do pressuposto hermenêutico é crucial.

Gordon Fee, teólogo de tradição pentecostal, dono de um notório saber na área da interpretação bíblica, percebeu isso também, pois, na sua avaliação, determinar se Lucas, ao registrar os fatos em Atos, o fez somente por motivações históricas e/ou também teológicas determinaria a compreensão de sua mensagem:

"A exegese de Atos, por tanto, inclui não apenas as questões puramente históricas, tais como: o que aconteceu?", mas também as teológicas, tais como: qual era o propósito de Lucas ao selecionar e formular o assunto dessa maneira?
A questão da intenção de Lucas é, ao mesmo tempo, a mais importante e a mais difícil. É a mais importante, porque é crucial à nossa hermenêutica. Se for possível demonstrar que a intenção de Lucas em Atos era determinar um padrão para a igreja em todos os tempos, logo tal padrão certamente se tornaria normativo."²

Logo, a conclusão é inescapável: se Atos é apenas uma narrativa historiográfica, ele deve ter seus fatos analisados à luz de outros escritos neotestamentários, ao passo que, se concluirmos que Lucas tinha uma intenção teológica, a qual moldou a sua narrativa e norteou a escolha dos fatos históricos que registrou, temos aqui uma teologia própria - o que não é o mesmo que dizer que seja divergente -, em seu desdobramento pneumatológico, não conflitante com os demais escritos neotestamentários.

Lucas completa e complementa a Paulo e os demais autores, pois sua narrativa teve por objetivo ressaltar determinados aspectos da obra do Espírito, dentre os quais encontra-se o fundamento para o principal distintivo Pentecostal clássico: o Batismo no Espírito Santo com evidência inicial do falar em línguas.

Escolher por um dos dois pressupostos hermenêuticos para a leitura de Atos é crítico para as conclusões a que se chegará.

Os pressupostos hermenêuticos que o leitor leva ao  texto determinarão a teologia que dele será extraído, e não o contrário.

Fee, conquanto pastor assembleiano, não pode ser reputado como um pastor pentecostal, pois não crê no Batismo no Espírito Santo como uma experiência distinta e subsequente à conversão.

Advinha qual dos dois pressupostos hermenêuticos ele adotou para concluir isso, mediante a leitura de Atos?

A maior contribuição do Pentecostalismo para a Hermenêutica Bíblica consiste, por meio dos seus estudos da pneumatologia lucana, no alerta aos perigos de uma harmonização da Bíblia sem critérios, como ressalta o teólogo James Shelton: 

"(...)esta busca por uma harmonização pode ser um exercício frutífero. Mas é preciso observar que a mensagem distinta de cada Evangelho precisa ser ouvida também. Nesse sentido, ouvir a ênfase comum nos quatro Evangelhos é como ouvir uma sinfonia. A harmonia produzida fornece forte mensagem; mas a música geralmente inclui a participação de solistas. É durante as realizações dos solos que a mensagem exclusiva de cada Evangelho se torna evidente, visto que cada um, como já foi dito, carrega tons e ênfases distintas. Por exemplo, enquanto Mateus enfatiza a realeza de Jesus e o cumprimento profético, Marcos fala de ação, de conflito e do papel da servidão. João fala da divindade de Jesus enquanto Lucas ressalta alegria, louvor e o Espírito Santo. Essas mensagens exclusivas frequentemente são perdidas quando todos os livros são tratados como uma única obra. Uma harmonização à custa dos temas individuais pode, na realidade, se tornar uma homogeneização. Assim, a contribuição original de cada obra não é respeitada, e um novo produto que os escritores nunca intencionaram pode ser criado, enquanto o padrão de identidade de cada Evangelho é perdido. Uma abordagem puramente harmônica para as pneumatologias dos vários escritores do NT coloca em perigo a unidade da Igreja. Isso é especialmente verdade quando aqueles que interpretam passam a ignorar que cada escritor do NT não aborda a mesma questão ao mencionar o Espírito Santo".³

É por essas e outras que eu continuo a dizer que boa parte dos pentecostais desconhecem na sua teologia, razão que os leva a tirar conclusões precipitadas sobre assuntos como a Hermenêutica Pentecostal.

Em Cristo, nosso Senhor,

Pr. Leandro Lima.
_________________

¹ KERR, Daniel W. The Bible Evidence of the Baptism with Holy Ghost. Los Angeles: Pentecostal Evangel, 1923, p.2 apud  MACGEE, Gary B. Evidência Inicial. Perspectivas históricas e bíblicas sobre a doutrina pentecostal do batismo no Espírito. Natal, RN: Carisma, 2019, p.144.

² FEE, Gordon D. STUART, Douglas. Entendes o Que Lês? Um guia para entender a Bíblia com auxílio da exegese e da hermenêutica. 3ª edição revisada e ampliada. São Paulo: Vida Nova, 2011, p.134.

³ SHELTON, James. Poderoso em Palavras e Obras: O papel do Espírito Santo em Lucas-Atos. Natal, RN: Carisma, 2018, p. 21.

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